Publicado em: 04/10/2017 17h21 – Atualizado em 06/10/2017 17h19
O legado indígena e o orgulho de ser Inca
Carlos Gustavo Nóbrega de Jesus é Superintendente da Fundação Pró-Memória e Doutor em História Cultural e Pesquisador da Unicamp/IFCH
No artigo anterior afirmei que a justificativa de que a arqueologia se desenvolveu no Peru por causa dos Incas não convence, até porque eles representam um dos vários grupos que se estabeleceram na região do antigo Império, que cobria terras do Peru, Argentinas, Equador, Bolívia, Chile e Colômbia. Os Incas foram os últimos povos que se desenvolveram nessa região antes das chegas dos colonizadores. Segundos os arqueólogos, essa visão, que naturalizou a relação da cultura pré-colombiana andina, apenas a partir da cultura incaica é demasiadamente danosa para o desenvolvimento da ciência e da cultura na região. Tal visão tem origem nas crônicas dos colonizadores, o que por muito tempo foi a única fonte a respeito da realidade pré-colombiana. Por ter visto e entrado em contato diretamente e, às vezes, unicamente com tais povos, generalizam em seus escritos a cultura andina a partir dos Incas. A arqueologia e seu desenvolvimento no Peru, a partir dos anos 1950, ajudou a começar a quebrar tal discurso simplista, recheado de juízo de valor, pois, a parti daí surgiram outras evidências da cultura imaterial que puderam se contrapor a interpretação espanhola do povo pré-colombiano. Nesse sentido, não só a visão, senso comum de que acultura andina se resumia a cultura incaica caiu por terra, mas também, interpretações tendenciosas que são repetidas até hoje, passaram a ser questionadas, como por exemplo o fato de que os Incas não tinham escrita. É dentro desta perspectiva que os quipus passaram a ser vistos muito mais que um objeto utilizado para contagem Inca, descobriu-se que eles serviam para registrar lendas se costumes do povo, assim, logo poderiam ser considerados escritas. Logicamente escritas diferentes do que estavam acostumados os europeus, que por um juízo de valor, consideraram que tal artificio não seria uma forma de se comunicar e registrar pois eram diferentes dos códigos utilizados na Europa ocidental. Tal mudança possibilitada pela ênfase na cultura material repercutiu, não somente nas ciências humanas, mas na própria autoestima do povo peruano que começou a entender que a cultura indígena da qual eles eram herdeiros, não deixava nada a desejar a sua outra herança, a europeia.
Pelo contrário, ser e demonstrar o conhecimento e a ascendência incaica passou a ser a partir de então motivo de orgulho e satisfação. Situação que notamos claramente hoje quando vemos boa parte da população peruana falando quéchua, um dos dialetos do antigo Império Inca. Mas tal (re) valorização não foi uma tarefa fácil e rápida, tal como no Brasil, por muito tempo, os valores indígenas eram sinônimo de atraso e inferioridade, a ponto de não se ter o respeito merecido a tal legado. Situação que começou a mudar há muito pouco tempo, mas que hoje já tem uma grande repercussão dentro de uma política interna de valorização da cultura Inca, o que por sua vez atrai investimentos externos muito maiores do que no Brasil em cultura, educação, turismo e preservação do Patrimônio Cultural.