Publicado em: 30/01/2018 16h03 – Atualizado em 01/02/2018 15h59
Arqueologia no Brasil – Parte IV
Carlos Gustavo Nóbrega de Jesus é superintendente da Fundação Pró-Memória e doutor em História Cultural e Pesquisador da Unicamp/IFCH
Nota-se que, na primeira e principal Lei de preservação do Patrimônio Histórico do Brasil (o Decreto Lei 25, de 1937), as questões ameríndias, etnográficas e populares aparecem relacionadas com a questão arqueológica: Artigo 4º – O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional possuirá quatro Livros do Tombo, nos quais serão inscritas as obras a que se refere o art. 1º desta lei, a saber: 1º) no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, as coisas pertencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular (Brasil, 1937).
Pode-se afirmar que a presença ameríndia na lei é sinal do tempo de mudanças do discurso de identidade nacional brasileira, baseada na miscigenação, mas engana-se quem ache que tal lei que instituiu a preservação do patrimônio Cultural brasileiro pautou-se por uma política de preservação democrática. Valorizava-se a pluralidade, mas a partir de uma escala de valores que o negro e o índio ficaram em último plano, atrás do europeu e do mestiço.
Da mesma forma, valorizava-se o barroco e a arquitetura colonial em detrimento das outras estéticas, o que relegou para segundo plano as culturas indígenas e africanas na prática de preservação oficial do patrimônio brasileiro. No entanto, nesse momento a disciplina arqueológica deu um passo à frente no país e isso se deu muito mais por algumas posturas isoladas de alguns de nossos intelectuais, entre eles Mário de Andrade e Paulo Duarte, do que em razão da Lei Federal recém-instituída.
Em 1935, Luis de Castro Farias, atuante na proteção do patrimônio arqueológico, fundou um Centro de Estudos Arqueológicos, no Rio de Janeiro, mas foi Paulo Duarte um dos fundadores da USP (Universidade de São Paulo), o grande nome para a Arqueologia nesse momento. A relação com historiadores e antropólogos do calibre de Lucien Febvre e principalmente com Paul Rivet, diretor do Museu do Homem de Paris, fez com esse intelectual voltasse para o Brasil com o intuito de lutar pelo direito dos indígenas, sendo a favor de um estudo da arqueologia pré-histórica, ou seja, pré-cabralina.
Assim, ele criou o Instituto de Pré-História (IPH) da USP em 1962, à linha do IPH (Institut de Paléontologie Humaine) de Paris, França. Um passo incrível na direção da institucionalização acadêmica da arqueologia. Foi nesse momento, em sintonia com a vinda de arqueólogos profissionais para o Brasil, que a arte rupestre passou a ser vista como evidência de cultura humana. A ideia de cultura alta (ocidental e europeia) e cultura baixa daria lugar à ideia de cultura humana, teoria advinda do diálogo com a Antropologia Estruturalista de Lévi Strauss, Marcel Mauss e André Leroi Gourhan.
No entanto, toda luta de Paulo Duarte não possibilitou que a pré-história, assim como a arqueologia brasileira, se desenvolvesse como em países como o Peru, por exemplo. Resultado, a meu ver, do processo histórico oficial da criação da identidade nacional brasileira, no qual o passado legitimado seria aquele da chegada dos europeus. Tudo que veio antes ou não passou por essa influência deveria ser descartado. Nesse sentido, a cultura indígena sempre foi vista como exógena ao nosso país e a nós mesmos.