Publicado em: 14/02/2018 15h44 – Atualizado em 16/02/2018 16h15
Arqueologia no Brasil (V)
Carlos Gustavo Nóbrega de Jesus é superintendente da Fundação Pró-Memória e doutor em História Cultural e Pesquisador da Unicamp/IFCH
No artigo passado, vimos o esforço de Paulo Duarte em abrir as portas para a valorização do estudo do nosso passado indígena, por meio da pré-história brasileira e a arqueologia voltada para tal tema. Nesse sentido, deve-se destacar que as sociedades pré-históricas habitaram o Brasil há mais de 13 mil anos atrás, e deixaram inúmeros vestígios de sua ocupação.
Mesmo não tendo estruturas monumentais (grandes pirâmides, criações de sociedades altamente hierarquizadas), o país possui o registro de sociedades pré-históricas que desenvolveram suas culturas ao longo do tempo de formas diferentes do mundo inteiro. O que falar dos cacicados na Amazônia e as evidencias circulares achadas por lá, há alguns anos, que indicam sociedades regionais organizadas e densamente povoadas que viveram ali, entre os anos 1250 e 1378, antes da chegada dos colonizadores europeus, em um local de ocupação antes considerada improvável?
Mas a história da arqueologia brasileira está marcada pelo “confronto com um passado pouco conhecido, que traduz as diversas formas de identificação ou rejeição das raízes indígenas por parte da sociedade nacional, e que nem sempre corresponde aos ideais de uma (pré) história nacional”. A educação brasileira tem uma parcela de culpa em tudo isso também, pois até hoje no nosso ensino de História não nos desgrudamos do olhar europeizado, chamando nosso Estado de antes de 1822 de Brasil e atribuindo um olhar tendencioso ou apenas negligente para o que aqui havia antes da chegada dos portugueses.
“Estamos nos referindo ao território que hoje faz parte do nosso país, e não ao nosso Estado nacional” (Funari; Noelli 2006, p. 11) enfim, “quando se estudam os habitantes do Brasil antes da chegada dos portugueses, é preciso inicialmente lembrar que o país é uma criação política recente, cujas fronteiras atuais não correspondem a limites entre as populações pré-históricas” (Prous, 2006, p. 7).
Assim, pode-se afirmar que, com todo esforço de Paulo Duarte, principalmente a partir de 1962, com a criação do Instituto de Pré-História (IPH) da USP, notamos uma falta de identificação étnica e cultural com o passado indígena, situação agravada por uma nula política indigenista, além dos desafios da preservação e conservação, o que intensifica essa falta de pertencimento da sociedade em geral com seu patrimônio arqueológico.
Situações que nos ajudam a entender (mas não aceitar) o vandalismo em pinturas rupestres, o mercado negro desse bem – que é retirado das rochas para se vender a colecionadores – e a falta de incentivo do Estado à ciência arqueológica no Brasil. Mas o preço de tudo isso é muito caro, pois um povo que não conhece seu passado, não sabe lidar com o seu presente. Nesse quesito, estamos provando nesses tempos bicudos o gosto amargo de tal afirmação profética.
Mais lidas
Vídeos
Filmes em cartaz
